Para quando é o trabalho? Para ontem
- José Alberto Tostes
- 7 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 8 de mai. de 2020
Quem já viu, ouviu, ou se inteirou dessa frase no nosso cotidiano? Mas, o que representa essa frase no contexto da vida atual? A vida contemporânea com passar do tempo, deixou algumas características que devem ser pensadas com muito cuidado e cautela. Você pode somar a primeira frase uma segunda, “ não tenho tempo para isso”. A soma das duas frases, representa um sentido complexo de que o ser humano se tornou, ou seja, a vida é um trabalho! E como tal, os anos vão se passando, os filhos vão crescendo e tudo acontecendo, quando de repente, você se defronta com a realidade, chegou a terceira idade, tem mais de 60 anos, e agora?
A sociedade europeia pós-guerra teve como característica, priorizar o trabalho, e não a família, os efeitos desse fato, resultaram que muitos idosos, entre 65 e 90 anos, nos países europeus moram em asilos, sozinhos ou com algum tipo de acompanhante, são consequências da falta de vinculo afetivo dos pais desde o período de infância, envolvidos completamente pelo trabalho, sempre colocaram os filhos em escolas internas, quando se deram conta, as crianças já estavam adultas e com reduzido vinculo afetivo com os pais.
Nos últimos dez anos, tive a oportunidade de ir para Europa, estudar e realizar mobilidade acadêmica em Portugal, tudo através da Universidade Federal do Amapá em parceria com várias outras instituições. Me chamava atenção, o fato, dos idosos muitas vezes caminharem sozinhos, alguns ainda cultivavam o hábito de fumar, apesar da mobilidade bem reduzida. Agora na crise da pandemia mundial ocorreu um número expressivo de mortes de idosos na faixa citada nesse artigo.
O trabalho é fundamental na vida das pessoas, mas, ninguém pode ser “escravo” ou “viciado” do trabalho, sob pena, de ver o tempo passar rápido demais, e você, não ter vivenciado o que deveria ser preciso. O ser humano é, por natureza, um ser gregário, criado para viver em sociedade. O seu insulamento, mesmo a pretexto de servir a Deus ou de desenvolver virtudes, constitui uma agressão à lei natural, por caracterizar uma fuga injustificável às responsabilidades requeridas ao seu progresso espiritual. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 89. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Questão 766, p. 403.
A vida social faz parte da lei natural, uma vez que Deus […] fez o homem para viver em sociedade. Não lhe deu inutilmente a palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação. O insulamento é contrário à lei da Natureza, […] pois que por instinto os homens buscam a sociedade e todos devem concorrer para o progresso, auxiliando-se mutuamente. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 89. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2007. Questão 767, p. 403.
Sobre a questão do apego ao trabalho é importante ver as questões do Livro dos Espíritos argumentadas por Kardec. Na questão 674, indaga: necessidade do trabalho é uma lei da Natureza? — resposta dos espíritos, o trabalho é uma lei da Natureza, e por isso mesmo é uma necessidade. A civilização obriga o homem a trabalhar mais, porque aumenta as suas necessidades e os seus prazeres. E na questão, 675, só devemos entender por trabalho as ocupações materiais? — Não; o Espírito também trabalha, como o corpo. Toda ocupação útil é trabalho.
Portanto, as respostas dadas pelos espíritos nos mostram que, não devemos exceder além do que precisamos, devemos cuidar também das questões espirituais, e isso inclui, participar efetivamente de uma vida integrada e participativa, menos escravista de algum tipo de atividade, nesse caso, inclui a nossa família acima de tudo, as relações com os amigos e a coletividade, em trabalhos diversificados. É comum quando você convida alguém para fazer qualquer atividade, a primeira indagação é: “ o que irei ganhar com isso?”
Ainda sobre esse aspecto, recordamos a passagem tanto no livro como no filme de André Luís, em vida na Terra, era um médico, pouca atenção dava a família, quando reencarnado, já no plano espiritual, se dá conta do valor que representa esses laços, do quanto perdemos tempo, dedicando horas, meses e anos de determinadas coisas e deixando de lado a evolução espiritual em conjunto com a sua família.
No mês de outubro de 2019, tive a oportunidade de passar 30 dias em Portugal. Nesse período, passei quatro dias na cidade do Porto, local onde realizei um estágio e um estudo acadêmico em anos anteriores. Nessa oportunidade, visitei a um Centro Espírita, local próximo a Casa da Música, obra bem conhecida na cidade pelas suas características arquitetônicas. Fiquei intrigado ao chegar à Casa Espirita, ficava localizada em uma garagem de um edifício antigo, por lá, cerca de 90% do público eram de idosos, com idade entre 60 a 85 anos, o mais chamativo de tudo, a maioria dos idosos que chegavam ao local estavam sozinhos, constatação de como a relação de família no contexto europeu é independente, todavia, o futuro mostra imensas fragilidades dos mais idosos.
De acordo com os dirigentes da Casa Espírita, havia um trabalho de assistência a muitos deles que foram abandonados pelos filhos, muitos ficavam aos cuidados de terceiros. Foi aí que me lembrei, da frase título desse artigo: Para quando é o trabalho? Para ontem, a doutrina espírita nos mostra claramente, qual a relação entre causa e efeito. A expressão “causa e efeito” identifica as consequências (efeitos) geradas pelas ações (causas) humanas. Faz similaridade com a terceira lei física, a da Gravitação Universal e dos Movimentos, conhecida como Lei do Par de Ação e Reação.
Para a Doutrina Espírita a lei de causa e efeito está, efetivamente, relacionada aos atos humanos, mas a manifestação da lei de causa e efeito reflete apenas a escolha de provas definidas no planejamento reencarnatório: […] tais provas estão sempre em relação com as faltas que deve expiar. Se delas triunfa, [o Espírito] eleva-se; se sucumbe, tem de recomeçar. Allan Kardec: O Livro dos Espíritos, questão 399-comentário.
A doutrina espírita nos mostra que a nossa vida é uma sucessão constante de acontecimentos, de encontros e desencontros, de situações aparentemente inexplicáveis, diante das quais, muitas vezes, sentimo-nos como vítimas diante de carrasco implacável, impotentes diante de um destino cruel e irracional.
No universo, tudo está intimamente relacionado, numa sequência de ações que desencadeiam reações de igual intensidade. Deus é infinitamente justo e bom, e nada ocorre que não seja Seu desígnio. Não existe ocorrência do acaso ou sem uma causa justa. Cada evento ocorre de forma natural, planejada e lógica.
Todos somos responsáveis por cada um dos eventos que ocorrem em nossas vidas, sejam estes eventos bons, ou aparentemente terríveis. Neste contexto, não existem vítimas. O que aparentemente não tem explicação é porque nos falta alcance para compreensão da real origem de cada acontecimento. XAVIER, Francisco C./Emmanuel (Espírito). Pensamento e Vida, 9a ed., Rio de Janeiro, FEB, 1991, cap. I.
Se buscarmos em nós mesmos, em nossas próprias atitudes, quase sempre encontraremos a causa de todas as nossas mazelas, porém, caso não a encontremos a primeira vista, isto não significa que ela não existam, pois não existe efeito sem causa. Muitas vezes, as causas dos males que nos acometem podem encontrar-se num passado distante, em existências anteriores, momentaneamente inacessíveis pelo véu do esquecimento. Allan Kardec. O Livro dos Espíritos. Livro Quarto, Capítulo II, item 964.
Portanto, as reflexões mostram que o exemplo visto lá em Portugal, acontece em vários outros lugares e cidades. Antes da crise de isolamento do Covid-19, a expressão mais corriqueira era da afirmação: “é para ontem”. A juventude, por exemplo, confunde pressa com falta de qualidade, tem pouca paciência com os idosos, a mesma situação se dá quando se tem alguém enfermo na família, logo fica a discussão, de quem é a responsabilidade pelos cuidados, como se fosse somente uma obrigação e não uma necessidade, olhar por aqueles que fizeram muito, e mesmo que, não tenham sido bons pais, a lei de causa e efeito está para nos evidenciar que o resgate de cada um, é a sua evolução moral, e não a lei do olho por olho dente por dente.
Excelente texto e uma verdade incontestável
👍
Muito bom!