A prevalência do mal está na omissão dos bons
- José Alberto Tostes
- 15 de ago. de 2020
- 6 min de leitura
Nos dias atuais é recorrente a afirmação de que o mundo passa essencialmente por profundas mudanças, e que para muitos a sensação é que o mal prevalece sobre os bons ou sobre as coisas boas. Em diversas religiões existe a crença de que o indivíduo alcance o ajustamento moral, e que de alguma forma terá que passar pela experiência adversa de vivenciar o mal, sendo assim, saberá em um determinado momento oportuno em estabelecer um paralelo de conduta e ética para ocorridos futuros.
Na literatura espírita, a pergunta título desse artigo se faz menção exatamente através de uma indagação de Alan Kardec aos espíritos. Na pergunta 631. Kardec indaga, O homem tem meios para distinguir por si mesmo o bem e o mal? — Sim, quando ele crê em Deus e quando o quer saber. Deus lhe deu a inteligência para discernir um e outro. A resposta dos espíritos a Kardec, deixa claro que o homem tem o discernimento necessário para agir e definir suas ações.
Para melhor entendimento do tema realizamos um recorrido sobre alguns autores e que necessariamente não tem vínculos e bases em alguma doutrina religiosa.
Segundo Reinaldo Azevedo (2017) em artigo publicado em seu blog, que se atribui a Martin Luther King uma frase de valor inquestionável: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. É exata! É sob o silêncio cúmplice dos decentes que alguns dos maiores crimes acabam sendo perpetrados. Um texto do pastor Niemöller, que cometeu o equívoco de ser simpatizante do nazismo no começo do movimento — e veio a se tornar seu adversário radical, tanto que foi parar num campo de concentração —, expressa esse mesmo valor. É muito citado, mas, com certa frequência, atribui-se a autoria a Maiakovski ou a Brecht. “Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.” Essa passagem evidencia o quanto transferimos a responsabilidade e a culpa para alguém, se fico omisso, ou me ofendo por não ser desse grupo ou daquela religião não me sinto incomodado.
Segundo Leis (2005, p.01) “o mal é um fenômeno pouco compreendido pelas ciências sociais. São vários os obstáculos epistemológicos que explicam isto. A focalização da problemática do mal em torno de disciplinas excessivamente normativas, como a filosofia e a teologia, por um lado, levantou barreiras quase intransponíveis para abordagens com forte vocação empírico-positivista, como é o caso das ciências sociais. Outro aspecto que impediu uma correta compreensão deste fenômeno reside no fato de que o debate acadêmico sobre a condição humana do homem contemporâneo não conseguiu ainda se despegar dos conceitos e modelos disciplinares. O mal é um fenômeno complexo que exige uma abordagem interdisciplinar, a qual obrigaria aos cientistas sociais a fugir dos vários reducionismos em cena e a repensar os modelos existentes.”
Hannah Arendt (1983) citado por Leis (2017) descreve sobre a “banalidade do mal”, a propósito do juízo a Eichmann, o carrasco de Auschwitz, deveria ter sido seminal, mas permaneceu brilhando praticamente sozinho nas prateleiras das ciências sociais. “Esse silêncio reflexivo certamente contribuiu para que uma grande parte dos seres humanos fosse levada a concluir que fenômenos como o totalitarismo, o terrorismo, o genocídio, a violência e o crime, em geral, podem ser perfeitamente explicados a partir de causas sociais e políticas depuradas de qualquer “contaminação” com temas como o mal.”
Leis conclui em seu artigo (2017, p.15) que o ressentimento, é um sintoma do mal na sociedade contemporânea, é a carência de horizontes simbólicos adequados para processar os problemas da condição humana. A sofisticada dialética entre o bem e o mal exige uma não menos sofisticada dialética entre religião e política. Os reducionismos teocráticos ou positivistas constituem uma negação definitiva desta dialética. A equação entre civilização e barbárie nunca é linear.
Ao analisarmos as ideias de Leis em seu artigo: Sobre o bem e o mal às avessas: religião e política no mundo contemporâneo, vamos perceber que esse autor descreve com clareza que não se deve reduzir a questão do bem e do mal ao reducionismo que se encontra na dificuldade histórica das ciências sociais para pensar a condição humana associada a elementos de forte conteúdo irracional. “Como entender, por exemplo, o fato de que as ciências sociais continuam querendo produzir a uma sociedade “boa” (racional), mas sem se perguntar pela problemática do mal? Tal questão levantada pelo autor, passa de sobremaneira pelo fato que historicamente sempre se buscar a explicação para o mal apenas por questões de natureza de conduta, o que supostamente explicaria as maiores atrocidades ocorridas em diferentes tempos históricos por homens que tiveram a sede de poder e riqueza e que submeteram milhões de pessoas ao múltiplos subjulgamentos.”
E como diz o referido autor, sempre foi complexo desatrelar a religião da política, o que de alguma forma influenciou a uma visão sobre o mal puramente dentro do caráter racional da sociedade. Perante as leis dos homens quem comete um crime é julgado por um ato que provocou a perda de uma vida humana, e quase sempre sendo culpado será privado da liberdade e do convívio da sociedade.
Com o advento das redes globais, processos interativos de informações têm sido possível conhecer a diversidade de princípios teológicos, filosóficos e religiosos sobre a diversidade de doutrinas que contribuem para o equilíbrio do ser. Nesse sentido, a discussão sobre o bem e o mal ganha contornos ainda maiores, porque hoje vivemos uma sociedade planetária, tudo está em tempo real.
O espiritismo codificado por Alan Kardec, tem uma definição clara com a fronteira entre o bem e o mal, ninguém nasceu com a predisposição para realizar coisas malignas e se tornar um malfeitor cruel, Deus nos deu o Livre-arbítrio para todos, e somente diante da realidade que cada um irá vivenciar o conduzirá a um caminho do bem ou do mal, muito embora, se reconheça que todos irão passar em algum momento pelo crivo da razão moral (Ver no item a Lei de Liberdade. Alan Kardec. O Livro dos Espíritos. FEB Editora. Brasília, 2007).
Retomando a Leis (2017, p. 09) descreve que há uma tentativa de banalizar o mal, precisamente, quando, frente a um evento de claras conotações malignas, se pretende dar uma explicação ingênua, em desacordo com fatos e valores que são de domínio público. “A banalização do mal acontece naqueles indivíduos que previamente banalizam o conhecimento dos fatos por covardia moral ou, simplesmente, porque suas mentes (colonizadas por princípios que não admitem ser contestados pelos fatos) não conseguem enxergar a realidade tal como ela é. Assim, a justificação de um genocídio em nome de supostas responsabilidades políticas ou sociais das vítimas constitui um exemplo claro de banalização do mal.”
(Carl Gustav) Jung (psicanalista suíço, 1875–1961) citado por Vieira (2018) dizia que “quem, por conseguinte, desejar encontrar uma resposta ao problema do mal, tal como ele é colocado hoje em dia”, portanto Século XX, “necessita, em primeiro lugar de um conhecimento de si mesmo, isto é, de um conhecimento tão quanto possível de sua totalidade”. Vieira ao refletir sobre tal afirmação indaga: O que acha desse raciocínio a propósito de luzes e sombras individuais? Verdadeiramente as questões de Carl Jung e a reflexão de Vieira nos mostram que o ser humano tem enormes dificuldades de lidar com questões interiores e emocionais que forçosamente lhe afetam o sentido racional.
São inúmeras as reflexões sobre o bem e o mal, e há um consenso de que o mal é um desvio do caminho, e que, portanto, a cura para o mal é exatamente, o bem, enquanto existir, e será sempre. Temos a sensação que o mal está posto em todos os lugares, todavia, ainda reside por conta de nossas imperfeições, sejam individuais ou coletivas ainda afloramos através de todos os meios e formas de comunicações as ações do mal, é como se fazer o bem, seja uma obrigação, mas o mal de alguma forma, ainda traduz um lado mais sedutor do ser humano que mostra as condições mais primitivas da forma de pensar e agir.
Longe das explicações racionais ou reducionistas sobre o tema, e independente de crenças religiosas ou de doutrinas ortodoxas ou não, o certo, é que, precisamos compreender melhor as razões que nos levam a entender o mal como um desvio de conduta, do uso inadequado do Livre-Arbítrio, e que Deus, dá a oportunidade a todos, e que por questões de vínculos excessivamente de apego material, parte da humanidade reencarnada tem enormes dificuldades de lidar com suas limitações morais.
O Livro dos Espíritos com 163 anos nos conduz a uma série de indagações sobre o nosso comportamento ético e moral, pois estamos em uma escala de desenvolvimento espiritual que nos permite, mesmo que errando como reencarnado, novas oportunidades de aperfeiçoamento surgiram. E como disse os espíritos a Kardec: “O mal prevalece, porque os bons se omitem”, o que significa em parte, que todos nós temos a responsabilidade coletiva de fazer que sempre prevaleça o desenvolvimento do bem em nossas vidas.(Alan Kardec. O Livro dos Espíritos. FEB Editora. Brasília, 2007).
Crédito de imagem. Fonte: www.benficanet.com
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