A questão moral da expressão “Aceita que dói menos”
- José Alberto Tostes
- 27 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
Há uma tendência natural no conjunto da sociedade, de criar, copiar ou se apropriar de termos que geralmente são utilizados durante um período, uma época ou até por décadas. São ditos populares utilizados para expressar coisas boas ou adversas. Tem sido recorrente, por exemplo, o uso pela internet da expressão: “aceita que dói menos”. Essa expressão ganhou força exatamente em períodos eleitorais para impor ao lado derrotado, algo que supostamente seria inevitável.
Essa expressão na minha avaliação é uma ofensa, pois posso discordar de algo, sem, com que isso possa violentar os princípios pelos quais acredito. Uma coisa é aceitar um fato, uma derrota, onde há alguém vencedor, outra, é a imposição da humilhação e submissão do vencedor ao vencido. Se você recorre as redes sociais ou a internet em geral, com certeza irá encontrar diversos artigos publicados e com diferentes interpretações sobre a expressão título desse artigo.
No conjunto geral das abordagens por diferentes tipos de profissionais vamos perceber que distintas reações para análise dos sentimentos como amor, raiva, medo, tristeza, alegria, frustração, angústia, alívio, ansiedade e tantos outros. Todos nós estamos sujeitos a diferentes tipos de ações e de reações, e sem tivermos um ato impensado as chances de fazer algo errado são enormes. A população em geral em função da “febre” das expressões que se vulgarizam na internet, de forma ágil começa a impor aos “amigos” a submissão da expressão: “aceita que dói menos”.
Devemos então avaliar pelo uso exagerado da expressão que, aceitar significa dizer que a dor será de menor intensidade? Concretamente a expressão tem sido utilizada para banalizar algo que está causando sofrimento a alguém. Em regra geral, essa dor é de natureza moral e não física. Efetivamente as dores morais nos afetam profundamente.
“Aceita que dói menos” é uma imposição de uma dor moral, está relacionada tanto da parte de quem impõem, quanto a quem está imposto, as questões das mazelas da alma, como o orgulho e o egoísmo. Porque há necessidade de se estabelecer ao outro, além de seu sofrimento a subjugação de sua condição? Aceitar não significa se render diante dos fatos, será sempre importante em qualquer sociedade que tenhamos o respeito recíproco de uns para com outros.
Na literatura religiosa, essa expressão pode ser interpretada não no seu sentido atual, mas nos diversos aspectos comparativos que trazem à tona as nossas enfermidades, então seria distinto dizer: a dor será menor se você aceitar? Aceitar passa pelo conhecimento e entendimento da matéria que nos faz sofrer. Qualquer que seja a dor, ela é oriunda de uma causa, e mesmo a dor de quem sente, não está isento da ordem dos fenômenos de causa e efeito.
Na pergunta de número 886 do Livro dos Espíritos, Kardec faz a seguinte indagação: Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus?
Os espíritos respondem: “Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições alheias, perdão das ofensas.”
No Comentário de Kardec: “O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, porque amar ao próximo é fazer-lhe todo o bem possível, que desejaríamos que nos fosse feito. Tal é o sentido das palavras de Jesus: “Amai-vos uns aos outros, como irmãos”.
O Evangelho Segundo Espiritismo nos diz que: “caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, mas abrange todas as relações com os nossos semelhantes, quer se trate de nossos inferiores, iguais ou superiores. Quanto mais, entretanto, sua posição é lastimável, mais devemos temer aumentar-lhe a desgraça pela humilhação. O homem verdadeiramente bom procura elevar o inferior aos seus próprios olhos, diminuindo a distância entre ambos.”
Na pergunta 887 do Livro dos Espíritos há uma importante pergunta que não deixa distorções sobre o que Jesus pregava. Kardec indaga: Jesus ensinou ainda: “Amai aos vossos inimigos”. Ora, um amor pelos nossos inimigos não é contrário às nossas tendências naturais, e a inimizade não provém de uma falta de simpatia entre os Espíritos?
A resposta dos espíritos deixa claro que: “não é para ter com os inimigos, um amor terno e apaixonado, mas amar aos inimigos é perdoá-los e pagar-lhes o mal com o bem. É assim que nos tornamos superiores; pela vingança nos colocamos abaixo deles.”
Efetivamente, a resposta dos espíritos nos conduz a crer que, se guardamos magoas e rancores de alguém, facilmente seremos seduzidos a cometer todos os tipos de ofensas contra os nossos algozes.
Parece ser simples, mas a expressão: “aceita que dói menos” quando utilizada de forma pejorativa e vulgarizada, tem intensidade de causar dolo a terceiros, todavia, só o fato de ter sido usada a expressão como condição de subjugação, é uma falta de caridade, se não somos benevolentes e indulgentes para com os defeitos alheios, simplesmente acirramos ainda mais o estado latente de enfermidade de nossa alma.
Devemos ter a sensibilidade e o cuidado para não utilizar expressões pelos quais não nos damos conta da repercussão que isso pode provocar em terceiros. Não são somente repercussões de caráter de natureza materialista, vista sob a ótica das leis dos homens, mas de implicações de natureza de espiritual, inclusive com implicações morais.
Vamos ter a vigilância necessária que toda situação exige, principalmente nesses tempos onde é comum pelas redes sociais boa parte dos internautas deixarem o juízo e o crivo da razão de lado para partirem para o campo das ofensas. Nenhuma expressão que possa caracterizar o prejuízo moral de outra deve ser utilizada, pois a ofensa dependendo da gravidade, muitas vezes não perdura somente por uma vida.
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